Olá Civilistas!
Hoje abordaremos brevemente um assunto bastante mencionado na doutrina moderna de Responsabilidade Civil. Trata-se do “duty to mitigate the loss”, que consiste no dever de mitigar o próprio prejuízo.
O duty to mitigate the loss, ou dever de mitigar os prejuízos, é um instituto originário da tradição da Common Law, e que tem sido recepcionado, no Brasil, tanto nas relações contratuais quanto nas relações extracontratuais. Consiste no ônus que as partes possuem, em uma relação jurídica, de empreender esforços para evitar ou reduzir as suas próprias perdas, sempre que possível. A ausência de esforços neste sentido poderá acarretar ao credor uma penalidade, como por exemplo a não obtenção da indenização pela parte que poderia ter sido evitada.
Para melhor compreensão, serão citados dois exemplos.
No primeiro exemplo, julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF)[1], as partes haviam firmado um contrato de locação residencial, e o locatário informou por escrito à imobiliária, representante do locador, que iria desocupar o imóvel no mês seguinte, indagando à imobiliária quais seriam os procedimentos que deveria tomar. A imobiliária, no entanto, demorou dois meses para agendar a vistoria do imóvel, não obstante o locatário tivesse, várias vezes, questionado a demora. Após a realização da vistoria, as chaves foram entregues, o que demorou, portanto, quase três meses desde o primeiro contato feito pelo locatário.
O Tribunal considerou desarrazoada a conduta de cobrar aluguéis do locatário pelo período posterior à desocupação do imóvel, pois a causa direta que impediu a célere entrega das chaves foi o agendamento tardio da vistoria, e a falta de providências, por parte da Imobiliária, para tornar a vistoria concomitante à desocupação.
Neste julgado, entendeu o Relator que incide em favor do locatário o princípio da boa fé objetiva, e contra a imobiliária o princípio do “dever de mitigar as perdas” (duty to mitigate the loss). Nota-se que, como a imobiliária não agiu de forma diligente, não poderia a mesma fazer jus à indenização por um suposto dano que foi causado em virtude de sua própria conduta.
O segundo exemplo diz respeito à aplicação do “duty to mitigate” na esfera da responsabilidade civil extracontratual. Trata-se de um julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais[2], originário de uma ação de indenização por acidente de trânsito, em que os autores pleitearam indenização por danos materiais, danos estéticos e danos morais.
Na sentença de primeira instância, que foi confirmada pelo Tribunal, o magistrado apurou que o valor gasto nos reparos do veículo, com compra de peças e mão de obra em valores elevados, ultrapassava seu próprio valor de mercado, e limitou a indenização em tal valor. Ademais, o magistrado não considerou devida a indenização pleiteada pelos autores, no que diz respeito ao gasto com as despesas de apartamento durante a internação em hospital. Isto porque poderiam ficar em ambulatório, que seria a acomodação paga pelo plano de saúde.
Levando em consideração os exemplos acima, questiona-se: o princípio do “duty to mitigate the loss” seria mera decorrência da aplicação do princípio da boa fé objetiva nas relações contratuais (artigo 422 do Código Civil), ou poderia ser também aplicado na esfera da responsabilidade civil extracontratual?
Para responder a esta indagação, faz-se necessária a menção ao instituto do abuso de direito, que está consagrado na legislação civil brasileira em seu artigo 187, como ato ilícito capaz de gerar responsabilidade civil: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes”.
Muito embora existam divergências doutrinárias, a maioria dos autores, e também a jurisprudência, entendem pela concepção objetiva do abuso do direito. Sendo assim, não há necessidade de comprovação da culpa para que a conduta daquele que abusou de um direito seja considerada ato ilícito. Neste sentido, o Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo CJF: “a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.
O direito à indenização por parte da vítima, inclusive no que diz respeito à responsabilidade extracontratual, não poderá exceder os limites da boa fé em seu critério objetivo. Se a boa fé como regra de conduta, pautada na honestidade, na racionalidade, na lealdade, é violada, o exercício do direito à indenização por parte da vítima será então considerado abusivo.
Para Christian Sahb Batista Lopes, “diante da prática de um ato que viole o dever geral de neminem laedere, a boa fé impõe que a vítima tenha em vista seus próprios interesses, aqueles do alter (o agente) e da própria sociedade, de forma evitar o desperdício de recursos econômica e socialmente relevantes”[3]
Portanto, podemos concluir que o ônus da mitigação dos prejuízos poderá, também, ser aplicado à responsabilidade civil, seja contratual ou extracontratual, encontrando fundamento nos institutos do abuso do direito e da boa fé em seu critério objetivo.
O magistrado, no caso concreto, poderá limitar a indenização, ou mesmo aplicar alguma penalidade à vítima quando ficar demonstrado que esta poderia ter evitado ou minorado as consequências do dano sofrido.
Afinal, o princípio da reparação integral dos danos, um dos mais basilares da responsabilidade civil, não pode ser utilizado de forma a permitir à vítima um enriquecimento sem causa. Vale lembrar que a interpretação de nenhuma norma jurídica pode ser feita isoladamente, e sim em conjunto com todas as demais que compõem aquele corpo normativo.
[1] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível n.º 07008696520198070007, Relator Alfeu Machado. Data de Julgamento: 29.04.2020, 6ª Turma Cível. Publicado no DJE: 13.05.2020.
[2] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível n.º 1070107183692-1/001. 16ª Câmara Cível. Relator Des. Wagner Wilson. Data de julgamento: 11.03.2009.
[3] LOPES, Christian Sabh Batista. O chamado “duty to mitigate” na responsabilidade civil extracontratual. In Responsabilidade Civil: Novas Tendências. Org. por Nelson Rosenvald, Marcelo Milagres. 2 Ed. São Paulo: Editora Foco, 2018, p. 146
O atraso por parte das imobiliárias é recorrente no ramo de aluguéis imobiliários, seja sobre questões de atendimento ou problemas no local alugado, muitas imobiliárias possuem uma equipe pequena para cuidar de todas os imprevistos. A maioria n possui mão de obra suficiente ou qualificada para cuidar dos problemas apontados pelo morador do imóvel.
Com esse acontecimentos, tanto o locador quanto o locatário são prejudicados por essa falta de atenção por parte da imobiliária.
Oi André, ótima ponderação! Realmente, em muitas imobiliárias, este atraso é notável. Obrigada por nos acompanhar!