Multiparentalidade é o termo que representa a orientação jurídica que veio abranger “todos” os pais, dando a todos juridicamente, iguais direitos e deveres sob os filhos. É uma maneira de reconhecer formalmente o que já ocorre na vida real.
A multiparentalidade vem afirmar e reforçar o direito da criança e do adolescente à convivência familiar tanto com os pais biológicos quanto com pais socioafetivos.
Nesse ponto, importa diferenciar as duas expressões. Socioafetividade é o vínculo afetivo que liga pessoas e as identifica como membros da mesma família. Multiparentalidade é o termo que expressa o reconhecimento jurídico, concomitante, da parentalidade biológica e da parentalidade socioafetiva.
Dessa maneira, vemos que a multiparentalidade é uma realidade que fora validada pelo direito, e reafirmada pelo STF no tema de RG 622.
A partir disso, tem-se o direito de ver formalmente reconhecido pai e/ou mãe afetiva, incluindo-os no registro de nascimento.
Apesar do direito à essa inclusão, o STF firmou no tema RE nº 809, que a parentalidade socioafetiva independe de registro público para surtir seus efeitos jurídicos.
No entanto, caso se queira incluir pais socioafetivos na certidão de nascimento, mesmo já constando os pais biológicos no registro, é sim possível. O procedimento pode ser feito diretamente em cartório, para requerentes com idade superior a 12 anos, seguindo as especificações descritas nos provimentos 63 e 83 do CNJ.
Caso o requerente seja menor de 12 anos, ou se queira incluir mais de um ascendente socioafetivo, o procedimento deverá ser feito judicialmente. Assim, uma pessoa poderá ter na certidão de nascimento, por exemplo, dois pais e duas mães.
Partindo disso, deve-se observar que, apesar de louvável, o reconhecimento desse direito se destrincha em diversas consequências jurídicas, que devem ser observadas, discutidas e moduladas, uma vez que reconhecidas a paternidade, maternidade e a filiação, surgem direitos e deveres das mais variadas espécies.
Tomemos como exemplo uma criança que tenha dois pais e duas mães. Os quatro pais possuem direito a visita/convivência com o filho, assim deve-se observar o superior interesse da criança, para equilibrar o formato dessa convivência. Quem será detentor da guarda? Com quem a criança irá residir de forma fixa? A cada final de semana ela irá para a casa de um genitor? Quais os impactos desse arranjo na rotina da criança?
No aspecto assistencial, decorrente do poder familiar e do dever de solidariedade familiar, pode-se destacar o dever de prestar alimentos que abrange todos os pais/mães que não residem com a criança. Assim também, na velhice dos pais, o filho terá que assistir todos os pais que necessitem de alimentos.
No direito sucessório, o filho será herdeiro necessário de todos os pais. Havendo a morte prematura do filho, observada a ordem de sucessão, todos os pais serão herdeiros do patrimônio por ele deixado.
Há ainda o aspecto relativo ao direito previdenciário, no caso de recebimento de pensão por morte, haveria a possibilidade de cumular as pensões de todos os genitores? No caso de existirem genitores sobreviventes, capazes de arcar com o sustento do filho, esse continua a fazer jus à pensão por morte?
Bom, são inúmeras questões. Algumas sem resposta até o momento, outras estão sendo delineadas pela jurisprudência. E cabe a nós, profissionais do direito discutir e modular esses impactos, primando sempre pela boa-fé, o bom senso e o equilíbrio das relações familiares.
Gabriela Fortunato é advogada e pós-graduanda em Direito de Família.
e-mail profissional: gabrielafortunatoadvogada@gmail.com
Instagram: @gabiexplicadireito
Achei incrível essa nova lei. chega a ser até engraçada essa questão. Já pensou cobrar alimentos de 3 pais? Muito legal, mesmo! Mas há questões realmente sérias, como o caso das pensões…
Grande abraço.
Excelentes considerações! muitos atuais para o momento da sociedade.
”O Direito nasce no seio da sociedade” e a família é a base da sociedade, sendo que ela exerce papel fundamental na busca da felicidade humana. O Direito, no caso da Multiparentalidade, por ser ainda um conceito relativamente novo, carece de uma atenção especial do magistrado, pois a decisão, quaisquer que seja, terá impactos sensíveis para todos os envolvidos.
O texto em questão, aborda um assunto atual e bastante interessante, cuja tônica é, à luz do direito civil constitucional, afastar a ideia ultrapassada do pátrio poder. Assim, a família atual assume múltiplas conjugalidades, em que lanços sanguíneos não são o seu único elemento formador. Alarga-se o próprio conceito de família, passando essa a ser constituída em formatos diversos, em que a concepção do pluralismo familiar é recepcionado pela ordem constitucional pátria. Desta forma, a família por ser a célula base da sociedade deve ter especial proteção do Estado, independentemente do tipo de relação assumida pelos envolvidos. Contudo, algumas questões… Leia mais »