Atualmente, a frase “dados são o novo petróleo” tem sido amplamente difundida pelos estudiosos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que brevemente entrará em vigor no ordenamento jurídico brasileiro. Em tradução livre para a original “Data is the new oil”, a frase foi criada por Clive Humby, um matemático londrino especializado em ciência de dados[1]. Essa expressão tem sido utilizada no sentido de que os dados pessoais são tão (ou mais) valiosos quanto o petróleo, e aqueles que souberem realizar o seu tratamento só tem a ganhar.
No dia 26 de Agosto de 2020, os veículos de comunicação divulgaram que o Senado havia aprovado o início imediato da vigência da Lei n.º 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que cuida do tratamento de dados pessoais dos brasileiros, incluindo os acessados e compartilhados na internet. No mesmo dia, entretanto, o Senado emitiu nota esclarecendo que a LGPD não entrará em vigor imediatamente, mas sim após sanção ou veto dos demais dispositivos da Medida Provisória n.º 959/2020. De qualquer forma, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) já é uma realidade que bate às portas dos profissionais do Direito, bem como de todas as pessoas físicas ou jurídicas que tratam dados de pessoas naturais para qualquer finalidade econômica.
Mas o que seriam dados pessoais, e qual a importância de sua proteção? A LGPD conceitua dados pessoais em seu artigo 5º, I, como sendo toda informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável. Assim, dados pessoais são informações relativas à pessoa física, que a identifiquem diretamente, ou que possam levar à sua identificação, citando como exemplos o nome, apelido, imagem, identidade, endereço, dados de localização, endereço IP, endereço eletrônico, dentre outros.
De acordo com a LGPD, os dados pessoais se subdividem em dados sensíveis e dados anonimizados. Os dados sensíveis merecem uma proteção ainda mais especial, pois quando utilizados indevidamente, podem ensejar a discriminação do seu titular. São sensíveis os dados que dizem respeito à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, e ainda referente à saúde ou à vida sexual, genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural (artigo 5º, II da LGPD).
Por sua vez, os dados anonimizados são aqueles dados relativos a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento (artigo 5º, III da lei). Como exemplo, citam-se os dados estatísticos, onde os titulares não são identificáveis.
Na sociedade atual, a informação é o elemento nuclear para o desenvolvimento da economia, e tendo em vista a crescente expansão tecnológica, utilização de aplicativos, redes sociais e a solicitação do cadastramento de dados dos consumidores para acesso aos mais diversos produtos e serviços, surgem também as consequências que acompanham essa nova realidade tecnológica. Por este motivo, o Brasil, acompanhando a tendência da União Européia (a GDPR é o regulamento do direito europeu sobre privacidade e proteção de dados pessoais), aprovou no mês de agosto de 2018, a Lei n.º 13.709, na busca de uma efetiva proteção de dados pessoais dos usuários.
Quando falamos da importância dos dados pessoais, torna-se imperioso mencionar que os mesmos vêm sendo considerados como um novo direito da personalidade.
Bruno Ricardo Bioni, em sua excelente obra intitulada Proteção de Dados Pessoais: a função e os limites do consentimento, destaca que os direitos de personalidade fazem parte de uma cláusula geral de proteção de tutela e promoção da pessoa humana ou de um sistema geral de tutela à pessoa humana, cuja consequência principal é a elasticidade. Face a esta característica, seria possível identificar uma nova variante desta categoria de direitos, para enquadrar a proteção dos dados pessoais. Assim, um dado, atrelado à esfera de uma pessoa, pode se inserir dentre os direitos da personalidade. Para tanto, ele deve ser adjetivado como pessoal, caracterizando-se como uma projeção, extensão ou dimensão do seu titular (Bioni, 2019, p. 109).
E mais: os dados pessoais, como direitos da personalidade, não se relacionam apenas com a privacidade do indivíduo. Isto porque, em relação a dados que se encontram sob a esfera pública, o titular tem o direito de exigir a sua correção, ou seja, tutelar a exatidão destes dados.
Para além de serem considerados como um novo direito de personalidade, os dados pessoais também merecem ser incluídos como um direito fundamental do cidadão. Visando à inclusão deste direito no rol do artigo 5º da Constituição da República, encontra-se em votação a PEC 17/19, que acrescenta, no inciso XII, o “direito à proteção de dados pessoais, inclusive no meio digital”.
Neste aspecto, o Supremo Tribunal Federal proferiu, nos dias 06 e 07 de Maio de 2020, importante decisão considerando a proteção dos dados pessoais como um direito fundamental – o julgamento do plenário referendou a Medida Cautelar nas ADI nº 6387, 6388, 6389, 6393, 6390, suspendendo a aplicação da Medida Provisória 954/2018, que obrigava as operadoras de telefonia a repassarem ao IBGE dados identificados de seus consumidores de telefonia móvel, celular e endereço. O julgamento em questão foi significativo, primeiro por reconhecer que não há dados pessoais neutros ou insignificantes no contexto atual de processamento de dados. Hoje, todos os passos do nosso cotidiano são acompanhados por um smartphone, notebook ou assistentes virtuais. Como se lê no voto da Ministra Rosa Weber, qualquer dado que leve à identificação de uma pessoa pode ser usado para a formação de perfis informacionais de grande valia para o mercado e para o Estado e, portanto, merece proteção constitucional.[2]
Assim, percebe-se que, em uma sociedade altamente conectada, o direito à proteção dos dados pessoais passa a ser um elemento essencial para que o tratamento destes dados ocorra de forma segura, e em conformidade com todos os princípios estabelecidos na LGPD, a saber: a finalidade, adequação, necessidade, o livre acesso, transparência, segurança, qualidade, prevenção, não discriminação e responsabilização.
Uma vez violada a proteção aos dados pessoais, caberá a responsabilidade civil dos denominados agentes de tratamento, inclusive com a possibilidade de inversão do ônus probatório (artigo 42, parágrafo 2º da LGPD). Tudo isso sem excluir, evidentemente, as demais sanções criminais e administrativas cabíveis.
[1] Informação disponível do site https://administradores.com.br/noticias/por-que-dados-sao-considerados-o-novo-petroleo. Acesso em 04.09.2020
[2] Informação disponível no site https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/decisao-historica-do-stf-reconhece-direito-fundamental-a-protecao-de-dados-pessoais-10052020. Acesso em 05.09.2020
Excelente artigo!
Professora, palpitando em um dos inúmeros setores que serão abraçados pela LGPD, penso no desafio do mercado para geração de leads e administração de mailing. Considero que a LGPD fará com que empresas de marketing desenvolvam propostas mais assertivas para geração de leads afim de que a venda de mailing com nossos dados seja coíbida, visto que é importante e fundamental não sermos contactados por aqueles não não escolhemos. Assertiva a decisão do STF em reconhecer a proteção de dados pessoais como direito fundamental. Ótimas considerações professora Sílvia. Reiterando os palpites, interessante também como a LGPD irá “passear” na cadeira… Leia mais »
Que bom que gostou Alethea! Será um enorme desafio, mas é fundamental que estes setores repensem a forma como nossos dados são tratados, pois como vc bem ponderou, a venda dos dados pessoais não pode ser efetuada sem nenhuma das bases legais (são 10 bases legais) previstas pela LGPD. Sem dúvida, é um ótimo tema para uma live. Obrigada por acompanhar nosso site!
Professora Silvia, seu artigo me levou a uma reflexão, simples, mas muito pertinente ao tema abordado:‘’Sorria, você está sendo filmado’’. Nesse mundo max,e hiper globalizado e informatizado, a privacidade está na ordem do dia. Como proteger nossos dados, quando o tempo todo estamos sendo vigiados por um olho invisível, ou quando nós mesmos fornecemos dados o tempo todo, ao acionarmos as nossas redes sociais, ao comprar com cartões de crédito, ao pesquisar um produto online, etc?
Ótima reflexão, Alessandra! Justamente por isso se justifica a necessidade de uma lei de proteção aos nossos dados pessoais. Todas as pessoas físicas ou jurídicas que tratam dados pessoais com finalidade econômica, sem exceção, precisam se adequar à lei. A partir da entrada em vigor na lei, seja colhendo o consentimento dos titulares dos dados, um a um, ou ajustando-se às outras nove bases legais (são dez bases legais que justificam o tratamento dos dados segundo a lei), as empresas que não se ajustarem às exigências legais serão sancionadas. Faremos mais posts sobre o assunto, obrigada por acompanhar!
Boa noite, professor Sílvia! Saudades!
A nova LGPD é um grande desafio para nós, do direito. Muita coisa para aprender e artigos, como este, nos ajudam muito. Ele é bastante esclarecedor.
Grande abraço.
Muito obrigada Sônia! Em breve, nós faremos uma live para discutirmos esta importante lei, que aliás entrou em vigor hoje! Abraços.
Excelente texto, professora! Existe alguma área que o operador do Direito possa atuar diretamente com esse tratamento de dados?
Obrigada Yago! Sim, há uma área específica do direito relacionada à proteção e uso de dados pessoais, inclusive há várias especializações já sendo ofertadas no mercado. É um campo muito vasto de atuação para os advogados!
É sabido que por volta do final dos 1990 e início dos anos 2000 a internet começou a se popularizar entre as pessoas. O que antes era restrito apenas à universidades ou programas federais começava a entrar na casa do cidadão comum. Enxergava-se a partir daí, sobretudo, uma possibilidade exponencial de ganhos financeiros, uma vez que os limites de compras, oferta de produtos e aumento da demanda e facilidade de aquisição diminuía as fronteiras entre compradores e vendedores. A informação também passava a circular de maneira mais fácil no cotidiano comum. A internet está presente hoje em todos os continentes.… Leia mais »
Excelente comentário, Fábio! Obrigada por acompanhar nosso site.
O artigo acima do qual trata do tema ‘’ LGPD: considerações iniciais sobre a importância da proteção de dados pessoais’’ é de extrema importância para todas as pessoas naturais dotadas de personalidade, já que considerado como um novo direito da personalidade. O uso indevido de dados para fins políticos, a tecnologia e os avanços das redes são assustadores. Como resguardar os seus próprios dados em meio a tantas empresas pensando em como tirar vantagem em tudo e a todo momento, desta forma os cidadãos ficam mais vulneráveis a tecnologia e reféns da mesma. Triste ver que um assunto tão delicado… Leia mais »
Concordo, Lorena, muitos ainda desconhecem a real importância de proteger os seus dados pessoais! O documentário indicado é excelente, todos deveriam assistir. Muito obrigada!
Um tema não muito abordado, mas de extrema importância. Notamos que a modernidade vem trazendo consigo, a diminuição da utilização de documentos impressos e utilizando cada vez mais a modernidade tecnológica. Na última eleição, tivemos a utilização do título eleitoral pelo celular, além de outras inúmero aplicativos que contém dados pessoais de muita importância, como a CNH Digital e aplicativos de transporte como Uber e 99Pop. Aplicativos como estes, abrem grandes portas para o roubo de dados pessoais pela internet, mostrando que a modernidade, por toda não é boa. Utilizar destes aplicativos sem o mínimo de segurança é extremamente perigoso,… Leia mais »
Ótimas considerações, Gleyson! Muito obrigada!
O tema sobre a LGPD, Lei n. 13.709/2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, deve ser sempre abordado, visando ver a importância que é, todos ficarem cientes do que está dentro da lei, sobre a importância dos dados pessoais e seus reflexos diante da sociedade em um todo, no que trata-se dos direitos fundamentais, como a liberdade e privacidade, por exemplo. A lei traz mais segurança para todos os cidadãos, para negócios e profissionais principalmente. Na atualidade nos deparamos com várias novas tendências, e é necessário estabelecer uma certa relação entre segurança e privacidade, desse modo, tanto… Leia mais »
Isso mesmo, Lorrayne, é preciso muita cautela. Obrigada pelo comentário!
O tema sobre proteção de dados pessoais é pouco repercutido, mas muito importante. Atualmente a maioria dos dados da população esta a mercê de empresas e do governo, pois tudo que fazemos é necessário o preenchimento de dados para sua realização, como documentos pessoais, endereço, numero de telefone… Com o avanço da tecnologia é muito fácil resolver pendencias pela internet, fazer compras e ter entretenimento, porém para tudo isso é necessário se cadastrar passando os dados pessoais. As redes sociais também expõe informações pessoais importantes, como nossa localização ou onde frequentamos e qualquer um pode ter acesso a eles. Empresas… Leia mais »
Com certeza, Thamara, é preciso muita atenção para que nossos dados possam, de fato, estarem protegidos. Obrigada por acompanhar nosso site! Abraços.
É notória a atenção que vem recebendo o tema de segurança de dados no Brasil ultimamente. Tal atenção não se restringe somente a debates e opiniões em grupos restritos, antes ganha atualidades dos agentes públicos, da administração e do próprio poder judiciário. A LGPD tornou-se um marco nesse ambiente, uma vez que já se insere como um norte junto à sociedade, favorecendo-a com novos padrões legais e de segurança nas redes, configurando assim um importante elemento de segurança jurídica. Nota-se uma expectativa frente a esse novo cenário, positiva em muitos aspectos. Porém, há os que preferem ver essa lei na… Leia mais »
Obrigada por acompanhar nosso site, Jonatas! De fato, ainda há muito o que fazer na prática, até mesmo porque, mesmo já em vigor, muitas empresas ainda permanecem sem a necessária adequação à lei. É um ótimo campo para estudo, pesquisa e também para o exercício da advocacia. Abraços!