Olá Civilistas. Hoje, vamos tratar de um assunto mais denso, que tem a ver com teoria geral do Direito, hermenêutica, essas matérias difíceis da graduação.
Em primeiro lugar, cabe dizer que a escola do Direito Civil Constitucional representa uma forma de interpretação e aplicação das leis civilistas que respeita os valores presentes nas normas constitucionais, estejam essas no texto da Constituição ou em tratados de direitos humanos que obtenham o mesmo grau hierárquico.
Trata-se, pois, de uma doutrina que sustenta a hierarquia da Constituição de 1988, característica inerente ao ordenamento jurídico nacional. Sob esse aspecto, não há nada de excepcional no termo, visto que a harmonia sistêmica do Direito exige que normas inferiores sigam os princípios e regras ditados por normas superiores.
A novidade reside na construção de uma base teórica centrada na dignidade da pessoa humana. Se considerada a atração exercida por essa cláusula geral de tutela bem como pelos outros fundamentos da CF/88 haveria limites diretos à prática dos atos jurídicos relacionados a negócios, propriedade, família e sucessões.
Não se poderia conceber, por exemplo, que a vontade de realizar um contrato, expressão da liberdade humana, pudesse desprezar a individualização própria dos casos concretos, de modo que se preservasse, via juízo de equidade, a isonomia material entre os contratantes e a função social dos contratos.
Da mesma forma, o exercício do poder familiar não permitiria tornar os filhos propriedade dos pais. Mormente nas questões existenciais, far-se-ia necessário o respeito às escolhas de pessoas juridicamente incapazes, mesmo quando contrariassem as convicções de seus representantes legais. Essa mesma concepção que personificaria os filhos, estabeleceria laços plurais de família, privilegiando a paternidade e a maternidade socioafetivas, entre outras formas de família.
Nesse sentido, é elucidativa a recente modificação no sistema das incapacidades civis. O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015, comprometido com a inclusão social, passou a exigir uma transformação nas estruturas institucionais públicas e privadas. Afinal, quem se preocupa em incluir há de buscar fazer da sociedade um ambiente de emancipação do sujeito, despertando nele senso de autoestima e de pertencimento.
Assim, de um modo geral, entende-se acertada a crítica da escola do Direito Civil Constitucional a respeito do Direito Civil clássico como sendo patrimonialista. Com a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 as pessoas passaram a ocupar lugar proeminente na estrutura das relações jurídicas privadas, sendo imperioso tomá-las como fim em si mesmas e não como meio para a satisfação de interesses patrimoniais, sobretudo quando pertencentes a outrem.
No entanto, é preciso ter cautela em condicionar as afirmações feitas até agora ao fato de, por vezes, a patrimonialidade compor relações jurídicas nas quais a sua afirmação antes favorece a dignidade dos sujeitos ou, ao menos, não lhes impõe violação. Seria o caso, por exemplo, da gestação por substituição, quando uma mulher, titular do direito ao próprio corpo, deveria poder fazer a cessão temporária uterina, ainda que onerosa, sem a reprovação do Estado, pois o respeito à sua autonomia se impõe como fundamento de uma vida digna.
Destarte, a inserção da dignidade humana como princípio maior e, consequentemente, referência inarredável das normas de Direito Civil passa pela dificuldade em se afirmar que a vedação de interesses patrimoniais resume a melhor leitura civil-constitucional. Nortear-se pela tutela da personalidade significa, também, resguardar a autonomia, ainda que seja necessário afirmar a relevância, em alguns casos, da patrimonialidade.
Enfim, o Direito Civil, nas relações que estabelece, tem procurado salvaguardar a dignidade humana, em consonância com os parâmetros da CF/88. Pode-se afirmar, então, que ao seguir os ditames constitucionais, ele está de acordo com os valores mais expressivos da sociedade brasileira. Todavia, para a efetivação do modelo civil-constitucional torna-se indispensável o respeito ao pleno desenvolvimento das pessoas, o que inclui o exercício da autonomia privada.
Eu termino por aqui esperando que vocês tenham boa vontade com essas questões, pois elas sustentam os nossos argumentos quando temos que nos posicionar diante de situações jurídicas complexas.
Olá, professor René!
Questão difícil essa que o senhor abordou em seu artigo. Trata- se das inúmeras situações em que a Constituição
Federal dispõe de uma forma, mas que na prática, é preciso fazer adequações na norma, para que ela atinja os fins para que foi criada.
Vou ter que aprender um pouco mais sobre isso. Mas a matéria já desperta essa reflexão.
Grande abraço.
Oi Sônia. Bastante complexa, a questão. Mas é algo a ser enfrentado, pois as normas constitucionais orientam a interpretação e a aplicação do Direito em todas as suas áreas. Que bom que o texto despertou a sua reflexão. Participe sempre dos debates aqui no blog e nos ajude a divulgar o NDC. Um abraço!
Olá professor desejo saúde para você e sua família.Muito complexo esse assunto,visto que observamos a todo momento desrespeitos ao Direito, e nesse exato momento com essa situação de pandemia do coronavirus muitos estão violando o direito civil-constitucional.Portanto concordo com o senhor quando diz: “para efetivação do modelo civil-constitucional torna-se indispensável o respeito ao pleno desenvolvimento das pessoas”
Marcelo, obrigado tanto pelo comentário quanto pelos votos de saúde.
Que o direito Civil mantenha sempre essa harmonia com os fundamentos da constituição de 1988 e mantendo um equilíbrio nos casos complexos de jurisprudência. Postagem bem esclarecedora profº Rêne.
Como ficou claro no artigo, o reconhecimento do Direito Civil constitucional pela Constituição de forma autônoma leva o Estado a busca de aprimoramento na utilizacao de instrumentos que normatizem as atividades humanas, principalmente aquelas que dizem respeito a personalidade.
Exatamente, Alessandra. É muito importante nesta leitura civil-constitucional buscar a melhor forma de aplicar os direitos da personalidade.
Caro professor,ótimo texto para refletir ,a relevância social e importantíssima ,cabe ser bem interpretada em contratos ,para dar o equilíbrio que se busca,ou seja preservar a autonomia das partes !
Exatamente, Cássio. Essa foi a minha intenção: destacar a importância de uma interpretação do Direito Civil a partir dos valores constitucionais.
“o Direito Civil, nas relações que estabelece, tem procurado salvaguardar a dignidade humana, em consonância com os parâmetros da CF/88.“ o direito civil está presente em nosso cotidiano , sem ele seríamos selvagens , sem regras , sem limites . Parabéns professor, sempre somando .
Oi Homero. Perdão pela demora na resposta. De fato, o nosso Direito Civil é muito importante na vida das pessoas. Obrigado pelo incentivo e um abraço!
Considerando que as ações na esfera privada são diretamente influenciadas pelo meio em que se vive, é interessante pensar que a autonomia individual, em alguma medida, está comprometida pelo contexto social, cultural, politico e econômico em que o sujeito está inserido. Desta maneira, é necessário que o Direito Civil seja balizado pelos valores que orientam ordem constitucional, especialmente no que se refere a dignidade da pessoa humana, para que os interesses das classes dominantes não se sobreponham aos interesses de grupos historicamente marginalizados. Sendo assim, nem sempre a capacidade civil e o consentimento expresso devem ser o único parâmetro para… Leia mais »
Oi Bruna. Um comentário que é a sua cara. Antes de mais nada, parabéns por esse olhar sempre voltado para as pessoas mais humildes. De nada adiantará o Direito se ele não tiver efetividade social. Quanto ao tema, ele é muito complexo. eu defendo essa vertente, mas sei das dificuldades teóricas de sustentar uma interferência da ordem pública no Direito Civil. Não podemos esquecer que o Direito Civil se volta precipuamente para o indivíduo e é um erro crasso e perigoso acharmos que os direito individuais são direitos menores quando comparados com os direitos difusos ou coletivos. No mais, um… Leia mais »