“O amor é fogo que arde sem se ver” dizia Luiz Vaz de Camões. As poesias entram nos nossos pensamentos através do poder da abstração, coisa que a ciência nem sempre dimensiona dado o tamanho da subjetividade das emoções. A afetividade não é diferente disso, e o direito? A todo momento quer dimensionar e tocar o que denominamos a afetividade, judicializando questões que tocam as relações humanas por assim dizer. A afetividade em seu sentido psicológico é “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre de impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou de tristeza. (CODO & GAZZOTTI, 1999: 48-59)
A afetividade como uma condição inerente ao ser humano, acaba por tocar demandas judiciais. Como veremos, o sentido jurídico vai superar os fenômenos psíquicos contidos na definição para ganhar uma concepção objetiva, porém não fechada em si mesma. Em se tratando de Famílias tudo é possível, a gama de relações humanas em seus aspectos mais peculiares são frequentemente colocadas frente a frente com o judiciário ou procedimentos pré-processuais. No direito das famílias existe uma relação praticamente direta com a afetividade, porém, como será visto essa relação é mais complexa do que parece.
Segundo as contribuições de Ricardo Lucas Calderón o Princípio da Afetividade não possui um sentido fixo, é sempre verificada no caso concreto, o que se pode fazer é apenas definir linhas gerais. Com isso temos que qualquer tentativa de conceituar a afetividade vai limitar o seu conceito. A família tradicionalmente era patriarcal, e, o afeto ganhou espaço nas relações familiares. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, o afeto ganhou tanta notoriedade no ordenamento jurídico que recebeu força normativa, ganhando status de princípio. (PEREIRA, 2015, p. 69).
O questionamento mais comum é: o direito regulou o afeto? Muitos diriam que sim, fundamentando em uma resposta meramente simplista na ingerência do direito nas questões privadas e relacionais. O que houve, na verdade foi uma tentativa de traçar contornos gerais, sem encerrar definições fechadas em si mesmas, com vistas a maior proteção possível a família. Segundo as colocações de Paulo Lobo Netto, citado por Marcia Elena de Oliveira Cunha, a afetividade independe do amor, é dever dos pais em relação aos filhos, dos cônjuges e companheiros entre si, sendo assim a afetividade só desaparece na perda do poder familiar ou morte, situações que demarcam a conceituação nas relações jurídicas. Aqui percebemos que a roupagem assumida pela afetividade vai além da questão dos sentimentos e emoções. O jurista ainda explica que a afetividade no ponto de vista do direito tem um conteúdo mais estrito envolvendo apenas a união de pessoas com objetivo de constituição de família, ao passo que o mesmo termo nas ciências da psique, na filosófica, ou ciências sociais envolve amor, ódio, afeição desafeição, sentimentos que em suas palavras dizem respeito aproximação e rejeição. (LOBO, 2011, p. 56 apud CUNHA)
Passadas as contribuições da afetividade, do seu conceito e sua importância, estudaremos a mais cruel forma de violação da afetividade que é a síndrome decorrente da alienação parental e seus desdobramentos jurídicos. Segundo o Médico Americano, Richard A. Gardner, a alienação parental e o conjunto de esforços para prejudicar a imagem de um dos pais. (GARDNER, 1998 p. 61).
Interessante é que a lei da alienação parental, Lei Nº 12.318, de 26 de agosto de 2010 (BRASIL, 2010), foi mais longe, fixando um rol exemplificativo de condutas tipificadas como alienação parental, como por exemplo, dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; além disso colocou que todas as pessoas que tem crianças sob guarda são potenciais sujeitos ativos na prática da alienação parental.
Percebe-se um rol de condutas objetivas, superando o que se entende por sentimentos. A reflexão que podemos extrair é que a legislação ao ampliar o rol de condutas tipificadas como alienadoras, buscou proteger de forma mais ampla a criança, levando-se em consideração que, por exemplo, bloquear visitas seria o ponto de partida para que a criança se afastar do pai ou da mãe, vítimas da conduta alienadora.
Recapitulando: depreende-se que a afetividade não tem a sua conceituação fechada, ostentando status de princípio, entretanto é mais restrita em relação as ciências da psique, filosofia e ciências sociais. Considerando tudo isso é possível falar em responsabilização civil por ato caracterizado como alienação parental? A resposta para essa pergunta é positiva. O dever de indenizar corresponde a uma amalgama de legislações que ampliam a proteção da família.
Percebe-se que as normas pertinentes à Alienação Parental caminharam no sentido de conferir a maior proteção possível para a criança e ao adolescente, ultrapassando as fronteiras que envolvem os sentimentos, traçando o mesmo caminho da afetividade no sentido jurídico. A afetividade, como foi visto, precisou de contornos mais centrais para ser compreendida no âmbito jurídico, justificando a intervenção do Estado, não se confundindo com o afeto, no seu sentido anímico. O sentido jurídico de afetividade é expressão do dever, sendo algo mais objetivo que o próprio sentimento. Depreende-se que as legislações não se restringem à afetividade no sentido de sentimento, com vistas a conferir maior proteção a quem se destinam. Ao que parece realmente o amor é fogo que arde sem se ver… e para o direito não precisa ser visto para conferir proteção aos seus destinatários.
* Izabella Botelho Santos é advogada, conciliadora e mediadora certificada pelo TJMG.
Excelente conteúdo!
Parabéns Dra. Isabella.
Obrigado pelo seu comentário!
Muito bom!
Obrigado pelo seu comentário!
Muito bom ! Gostei e copiei espero não chatear la…
Obrigado pelo seu comentário!
Que artigo interessante! Família, na atual conjuntura, tornou-se ” uma fábrica de neuroses”, infelizmente. Ainda mais, quando deparamos com o conceito de Alienação Parental, onde o amor, o afeto é usado literalmente como moeda de trocas afetivas nem sempre benéficas. Aqui, no texto, no campo jurídico, percebemos ”que a roupagem assumida pela afetividade vai além da questão dos sentimentos e emoções” mesmo. Porém, na vida real, atos que criam falsas memórias, imputam falsas condutas desabonadoras contra o pai ou mãe, podendo, também, ser autores os parentes mais próximos, demonstram os efeitos danosos dessa prática, que nem o Direito, é capaz… Leia mais »
Exatamente nobre amiga Alessandra! é muito triste essa realidade e os danos são irreparáveis. Fico feliz por ter gostado do artigo.
É muito necessária a observância das necessidades tanto físicas quanto mentais de uma criança ou adolescente no momento em que há a separação de um casal, pois essa ruptura muitas vezes de forma inesperada, provoca uma série de mudanças na sua rotina,altera o seu ambiente, o seu modo de vida, seus hábitos e até mesmo sua maneira de se relacionar afetivamente com pai e mãe, uma vez que a guarda pode ficar com uma das partes ou ser compartilhada. Em muitos casos, essa separação envolve conflitos que vão desde questóes materiais, quanto a disputa pelo afeto do filho e é… Leia mais »
Obrigado pelo seu comentário!
Diante do artigo percebe- se que o legislador buscou mecanismos no direito para promoção do desenvolvimento das crianças e adolescentes, assim como responsabilizar os pais que utilizam o poder de persuasão afim de desconstruir a imagem de um dos genitores. Nota- se ainda, que o conceito de afetividade se conflitam entre sentimentos e aspectos jurídicos, com isso há um cenário mais complexo. Logo, a busca para resolução é um grande desafio para o âmbito jurídico, bem como as famílias.
Obrigado pelo seu comentário!
Não podemos pensar que a Alienação Parental é um problema apenas dos genitores separados, mas é também um grande problema social, que se não for inibida urgentemente, acarretara consequências nefastas para as gerações futuras. É imperioso que todos os profissionais da área jurídica, principalmente advogados , promotores, juízes envolvidos em processos de separação ou divórcio realize um trabalho com os genitores, expondo a fundo todas as consequências jurídicas e psicológicas que ocorrem quando há a presença da Alienação Parental, e com certeza , será uma forma de diminuir esse índice grandioso. Sem sombras de dúvidas a referida Lei, mesmo advindo apenas… Leia mais »
Obrigado pelo seu comentário!
Achei esse artigo de extrema importância é muito interessante! Hoje em dia nas famílias atuais a convivência está cada vez mais difícil, sempre deparamos com com o conceito de alienação parental onde o amor e o afeto é usado como uma moeda de trocas, que nem sempre trazem benefícios para a pessoa. A alienação parental é uma prática problemática que tem se tornado comum, prejudicando principalmente crianças e adolescentes, devemos sempre analisar as falhas nas leis e o individualismo favorecem esse quadro.
Obrigado pelo seu comentário!