Olá civilistas! Um questionamento recorrente que surge durante nossas aulas de usucapião diz respeito à possibilidade ou não de um herdeiro que exerça posse exclusiva sobre o bem pleitear, em face dos demais, a usucapião do imóvel objeto da herança.
A questão é polêmica, e surge com bastante frequência nas situações cotidianas que envolvem o condomínio formado pelos herdeiros após o falecimento do proprietário do bem.
Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, conforme dispõe o artigo 1.784 do Código Civil Brasileiro. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre os bens que são objeto da herança, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, conforme o disposto no art. 1.791, parágrafo único, do Código Civil: “Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio”.
O condomínio em questão, formado pelos co-herdeiros, trata-se do chamado condomínio ordinário, que é regido pelos artigos 1.314 a 1.326 do Código Civil. Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, “dá-se o condomínio quando a mesma coisa pertencer a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes” (SILVA PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil, v. IV, 18ª ed., p. 175).
Fato é que não existe na legislação civil nenhum impedimento para que um herdeiro possa vir a alcançar a propriedade exclusiva de um bem imóvel, objeto de herança, em face dos demais herdeiros. Não há causa suspensiva nem interruptiva da contagem do prazo prescricional referente à usucapião nesta situação, a teor dos artigos 197 a 204 do Código Civil atual. Entretanto, torna-se imprescindível indagar se estão presentes os requisitos para a aquisição da propriedade pela usucapião.
A doutrina aponta que os requisitos genéricos, para qualquer das espécies de usucapião previstas no ordenamento jurídico brasileiro, são a posse com animus domini, justa, contínua, mansa e pacífica, bem como o tempo. O tempo irá variar de acordo com a espécie de usucapião que será aplicada no caso concreto: o menor tempo exigido é o de dois anos – usucapião familiar ou por abandono do lar conjugal (artigo 1.240-A CC) – e o maior tempo exigido é de quinze anos – usucapião extraordinária do artigo 1.238 do Código Civil.
Para todas as espécies de usucapião, o elemento posse é indispensável. E posse não se confunde com detenção, nem com atos de mera permissão ou tolerância. Ademais, esta posse não poderá ser uma posse qualquer: ela deverá ser acompanhada de um elemento subjetivo – o animus, que é a vontade de ser dono da coisa. Para além do animus, exige-se que a posse seja justa, ou seja, não poderá ser violenta, nem clandestina ou precária. Por fim, a posse deve ser exercida ininterruptamente pelo possuidor, e sem qualquer oposição por parte do(s) proprietário(s), durante todo o tempo previsto na lei, tempo este que irá variar de acordo com a espécie de usucapião.
Analisando-se estes requisitos, há que se indagar: estariam eles configurados nos casos em que apenas um herdeiro exerce a posse exclusiva sobre o bem que é de propriedade comum (condomínio) de todos os herdeiros?
Acerca desta questão, há dois entendimentos, sobre os quais iremos discorrer brevemente. O primeiro posicionamento não reconhece a possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança. Isto porque faltaria o elemento posse por parte do herdeiro que se ocupa exclusivamente do bem. Para esta corrente, a utilização de um bem de propriedade comum por um ou alguns dos condôminos deve ser considerada como ato de mera tolerância dos demais. E atos de tolerância não induzem posse, mas mera detenção, que é uma posse desprovida de qualificação jurídica (artigo 1.208 do Código Civil).
A tolerância é apenas uma aceitação tácita do uso, e por este motivo não poderia ser considerada inércia por parte dos demais condôminos. Ademais, destaca-se que o animus (elemento subjetivo da posse) também não estaria presente em relação à coisa como um todo, uma vez que cada um dos condôminos tem plena ciência de que exerce posse e propriedade sobre um bem indivisível, em conjunto com os demais.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em inúmeras ocasiões, já assumiu posicionamento contrário à possibilidade de usucapião de imóvel objeto de sucessão hereditária, muito embora não haja unanimidade.
Como exemplo, cita-se o acórdão da Apelação número 1.0433.13.021852-5/001, de Relatoria do Des. Márcio Idalmo Santos Miranda, publicada em 29/09/2017, cuja ementa assim prevê: “Nos termos do artigo 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão, a herança transmite-se desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários. Havendo vários herdeiros, não se admite que possa um dos condôminos do imóvel usucapir dos demais a parte ideal que lhes caberia na sucessão, eis que o direito de cada um, relativo à posse e ao domínio do acervo hereditário, permanece indivisível até que se proceda à partilha. A Ação de Usucapião deve ser utilizada pelo possuidor do imóvel a fim de adquirir, originariamente, sua propriedade através da via judicial, e não por quem já a possui por direito de herança e cessão de direitos hereditários”.
Já uma segunda corrente reconhece a possibilidade de usucapião, nas situações em que o herdeiro consiga comprovar a posse exclusiva sobre o bem, somada aos demais requisitos necessários. Esta segunda corrente é bastante interessante, e a nosso ver privilegia a interpretação civil-constitucional voltada à implementação do princípio da função social da propriedade.
Neste aspecto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem adotando o entendimento de que é admissível o condômino usucapir, desde que configurados os requisitos legais do instituto em questão. A posse a ser exercida pelo herdeiro que pleiteia a usucapião deverá ser exclusiva, e sem qualquer oposição por parte dos demais herdeiros pelo tempo exigido pela lei.
Dentre os julgados do STJ que reconhecem esta possibilidade, destacamos o Recurso Especial n.º 1.631.859 – SP (2016/0072937-5), de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi (3ª Turma), que assim pontuou: “O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários”.
Portanto, caros civilistas, a questão não está pacificada. O profissional do Direito que se deparar com este tipo de demanda conseguirá embasar sua tese de modo favorável ou não à usucapião, a depender do lado em que se encontra. Entretanto, a boa hermenêutica aplicada ao Direito Civil nos faz entender pela possibilidade da usucapião nestes casos; afinal, levando em consideração o princípio constitucional da função social da propriedade, os condôminos precisam cuidar do bem comum. O direito de uso e os cuidados com o imóvel objeto da sucessão devem recair não apenas sobre um dos herdeiros, mas sim sobre todos os condôminos.
Tendo base o código civil, o texto redigido mostra uma usucapião famíliar que tem como objeto a aquisição da propriedade, traz os apontamentos que demonstram a insegurança jurídica que trouxe a nova modalidade de usucapião, quando se trata do abandono do lar por um dos cônjuges como requisito para se valer desse direito.
Obrigada pelo seu comentário, Guilherme! Esta modalidade traz, de fato, muitos pontos polêmicos.